Mês: julho 2020

Dorival Caymmi e o mito do “baiano preguiçoso”

Como paulista chegante à Bahia, há mais de 30 anos, tive logo que lidar com as imagens, que muitos do “Sul” conhecem e compartilham, da “terra da preguiça”, do “baiano preguiçoso” etc.

Ainda são imagens recorrentes. Como mantenho contatos com pessoas de diferentes universidades, de diferentes estados, mesmo hoje, quando falo que sou da Bahia, arrisco ouvir algum comentário malicioso sobre a aversão do baiano ao trabalho e de como gostamos, mesmo, é de uma moqueca antes e de uma rede depois. Confesso que tem hora que minha vontade é mandar o sujeito, com uma enxada, trabalhar para sobreviver no semiárido, como fazem muitos baianos do interior, ou então se virar uma semana como carregador nos mercados e feiras da cidade baixa, em Salvador.

Quem Somos

Em uma de suas admiráveis e intrincadas composições, Caetano Veloso zombou de quem “não é recôncavo e nem pode ser reconvexo”. Recôncavos seriam os que apreendem o mundo, ou a Bahia, a partir de dentro, a partir de referenciais construídos pela experiência da aldeia (no sentido de Tolstoi: “canta a tua aldeia e serás universal”), como a de presenciar o “Olodum balançando o Pelô”, a “novena de Dona Canô” e a “elegância sutil de Bobô”. Reconvexo indicaria os indivíduos que apreendem uma dada realidade a partir de referenciais externos a ela, mas igualmente importantes para a construção da estrutura cognitiva; são os que embora nunca tenham requebrado ao som do Olodum, se munem de referenciais perceptivos derivados do conhecimento do “suingue de Henri Salvador”, da “risada de Andy Warhol” ou do “mendigo Joãozinho Beija-Flor”, para captar tanto a aldeia como o universal. Assim, os que não são “recôncavo” e nem “reconvexo” transitam pelo mundo como meros turistas deslumbrados ou como passageiros que não conseguem antecipar ou compreender os caminhos pelos quais os guias os conduzem.

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