Mês: agosto 2020

Da BR-3 às ladeiras do Pelourinho (parte 1): breves narrativas sobre o negro, raça e racismo na música brasileira

I

Quando eu era menino, lá em Bauru, e o lazer de casa era, à noite, assistir televisão, havia três personagens que, se aparecessem na tela, estragavam o humor de meu pai. Na época, não existia controle remoto e remover o motivo do desgosto era uma operação um tanto trabalhosa, mas, para meu pai, sempre necessária.

Um destes personagens era Ney Matogrosso; me lembro bem da indignação de meu pai (eu tinha 10 para 11 anos) quando, de repente, o locutor anunciava os Secos & Molhados e surgia a figura fantástica de Ney, ostensivamente seminu, com aquela voz enigmática de soprano masculino. O outro era Caetano Veloso, a quem meu pai tinha uma aversão que era extensiva aos outros baianos – Gil, Gal e Bethânia; mas Caetano, talvez por ser o mais assumidamente provocador do grupo, era o que inspirava os mais dolorosos resmungos.

Cantares de amor e de amigo: da Idade Média ao sertão elomariano

por Rita Pereira

Em mais de três décadas de ensino e pesquisa em História Medieval, aprendi nas fontes e textos – e empreendi um esforço monumental para convencer – que inexiste uma cultura medieval. O discurso, ainda hoje presente nos manuais didáticos, de uma cultura una, de caráter teocrático, e que fundamentou a imagem dominante da Idade Média como uma Idade das Trevas, não resiste ao desvelar das múltiplas formas de expressão cultural mais ou menos autônomas em relação aos valores clericais hegemônicos que tomaram corpo na Europa Ocidental.

No caldo heterogêneo de temas, imagens e formas que floresceram no medievo, assim como os romans (grandes poemas em versos, escritos em línguas românicas para serem lidos em voz alta), destacam-se, no complexo conjunto do que se convencionou chamar de cultura de corte, os poemas destinados ao canto.

A arte do poemar tinha como pressuposto a associação entre rima e ritmo. As cantigas tiveram grande importância na difusão das línguas vernáculas como línguas literárias de expressão escrita e na disseminação da notação musical.

Sentidos do Romance na Bahia e no Nordeste

Quando cheguei à Bahia, levei um tempo para entender os sentidos que a palavra “romance” assume por aqui. Naquela época, eu nunca tinha viajado de avião. Aeroporto não era para filho de trabalhador gráfico e de mãe dona de casa. E nem para professor de História. Chegar numa cidade baiana era chegar de ônibus, na estação rodoviária. E toda rodoviária tinha uma mistura de banca de revista e livraria. Na Bahia, algumas rodoviárias continham uma boa coleção de literatura de cordel para venda. Tinha. Hoje praticamente não tem mais. Nem as bancas, muito menos os folhetos de cordel.

Na época reparei, mas não atinei direito para o motivo, que vários exemplares de cordel tinham títulos que começavam por “Romance”. Um exemplo é o famoso Romance do Pavão Misterioso, de autoria disputada entre os poetas José Camelo de Melo Rezende e João Melquíades Ferreira, um dos romances mais populares do Nordeste, que rendeu diferentes versões e música do cearense Ednardo.

Lampião nas salas de concerto

por Guilherme Pereira de Magalhães

A partir da década de 1950, o tema de Mulher Rendeira foi gravado e regravado inúmeras vezes, por diversos intérpretes e com textos variados. Mais do que isso, esse, como outros temas que foram incorporadas ao que se convencionou chamar de Cancioneiro de Lampião, encontrou espaço, além dos ambientes da música popular, nas universidades e inspirou a produção de peças musicais no ambiente acadêmico.

Volta Seca: música e cangaço em terras nordestinas

Na minha família, sempre fui, dos filhos, o mais “caseiro”. Isto fez com que eu fosse, até quando comecei a trabalhar, em 1978 (quando já tinha terminado o “ginásio”), uma espécie de auxiliar de minha mãe nos trabalhos da casa: passar escovão ou enceradeira no piso da casa (escovão dia sim, enceradeira dia não), cortar temperos, enxugar a louça etc.

Minha mãe sempre mantinha ligado um aparelho de rádio, desde a hora em que acordava até mais ou menos 6h da tarde. A partir daí, ligada ficava a TV, na Globo.

E, ao longo do dia, minha mãe ia cantarolando canções que ouvia no rádio. E tinha uma canção que ela cantava com frequência, mas que eu nunca ouvia tocar no rádio, com uma letra que dizia:

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén