Uma ampla diversidade de formas e temas caracteriza a obra de Elomar Figueira Mello, compositor de cantigas, óperas, antífonas, peças para violão e orquestra, e, além disso, escritor de poesias, romances, contos e ensaios. A discografia de Elomar abarca vários campos da sua produção musical. Nos primeiros discos prevalece a imagem do compositor e intérprete de cantigas, às quais ele imprime, como marcas indeléveis, a excepcionalidade da sua voz e um modo único de execução ao violão. Mas já nos primeiros LPs, produzidos ainda na década de 1970, foram incorporadas peças que viriam a se revelar como partes da sua produção operística. No disco Das barrancas do Rio Gavião, gravado em 1972, o canto nomeado O pidido aparece de forma autônoma em relação ao Auto da Catingueira, ópera que só seria gravada, em sua integralidade, em 1983. Neste disco, a ária Do pidido, interpretada por Andréa Daltro, dá voz à personagem Dassanta, a catingueira de beleza incomparável, que, ao companheiro que se encontra de partida para a feira, enumera desejos e reacende lembranças da cidade. Já qui tu vai lá prá fêra Várias outras partes do Auto da Catingueira, assim como de outras óperas, ganharam espaço nos discos e, em 1992, Elomar gravou Árias Sertânicas, dedicado, exclusivamente, à apresentação de fragmentos da sua produção operística. Aos poucos, as peças para violão solo e os concertos sinfônicos foram também incorporados ao material destinado à difusão de sua obra, a demonstrar que Elomar é muito mais do que as cantigas que o tornaram conhecido. Em sua complexidade, a obra, em seus diferentes subconjuntos, ganha a admiração e fidelidade de um público peculiar, que, a despeito do aparente regionalismo dos temas e da linguagem eleitos pelo compositor, se espalha por diversos cantos do Brasil e ultrapassa as fronteiras nacionais. O cancioneiro de Elomar, além de poemas dedicadas à temática amorosa, comporta preciosos registros do modo de vida, das mazelas do cotidiano e dos sonhos de pessoas que habitam as terras do sertão. As cantigas de amor, enunciadas a partir do eu lírico masculino, expressam, em língua padrão ou em dialeto sertanez, a coita de amor, traduzida em serestas, cantadas, conformada ao estado de deserança ao qual sucumbe o poeta ou expressa por meio de canto de incelença, em intenção do amor que já morreu. A temática amorosa está presente, também, em narrativas de amor trágico, histórias de reis e princesas, ambientadas em cenários mágicos, em reinos, castelos e estradas de areia de ouro. Essas narrativas – a exemplo de Acalanto, eternizada na voz de Diana Pequeno – são tributárias da tradição medieval e ibérica dos “romances” que, no Brasil, desde o período da colonização portuguesa, se difundiram nas regiões sertânicas, nas formas combinadas do escrito e do oral, por meio dos folhetos (cordel), por intermédio de cantadores, que ganhavam a vida se apresentado em feiras, fazendas e povoados, e pela transmissão doméstica de histórias contadas e cantadas pelas avós. Certa vez ouvi contar Assim como as cantigas de amor, as narrativas dos romances são selecionadas, reformuladas e ressignificadas mediante a incorporação de novas imagens e símbolos próprios ao mundo sertânico do qual Elomar extrai o seu repertório de temas e frente ao qual constrói modelos particulares de interpretação e intervenção. Em relação conflituosa com a contemporaneidade, o poeta e compositor subordina o sentido da sua arte a uma perspectiva escatológica, utópica e salvacionista. Mesmo nas composições que, equivocadamente, poderiam ser associadas a temáticas “profanas”, a visão religiosa do mundo se impõe. Esse modo de interpretação ganha expressão e relevância em um conjunto nomeado Antiphonaria Sertani, que ele deu a conhecer, até o momento, apenas por fragmentos. O nome alude à tradição das antífonas, introduzidas na liturgia católica durante a Idade Média. Superada a tradição agostiniana de culpabilização da música terrestre, que havia predominado nos primeiros séculos medievais, a música se tornou elemento central na formação dos monges. No contexto de difusão dos chamados cantos gregorianos, as antífonas, entoadas por vozes masculinas (vozes adultas e vozes brancas harmoniosamente combinadas), funcionavam, no princípio, como responsórios à enunciação dos salmos, mas, aos poucos, outros motivos foram sendo incorporados, como a fórmula do pater noster e, mais tarde, as louvações a Maria. A música dos mosteiros impulsionou o desenvolvimento das formas de notação musical. O aparecimento, no século XI, do tetragrama, com indicações de tons, intervalos e duração, confere alguma certeza aos cantores, antes guiados apenas pelas anotações, junto ao texto, de símbolos grafados em campo aberto, sem qualquer indicação de altura. A redefinição das técnicas de notação, a autonomia do instrumental em relação ao canto, o aparecimento do moteto e do canto coral e a renovação de temas da música de inspiração religiosa, tomaram corpo, no Ocidente Europeu, sobretudo a partir dos séculos XII e XIII, quando novas formas de exercício da espiritualidade anteciparam conteúdos que seriam potencializados pela reforma protestante. Desde então, a espiritualidade laica foi grandemente impulsionada pelo ideal de santidade apostólica e evangélica, acessível aos mortais comuns. Os não religiosos foram incorporados à encenação dos dramas litúrgicos (os autos piedosos e edificantes sobre os mistérios da encarnação e paixão de Cristo) e às manifestações paralitúrgicas, como as procissões, formas que Elomar repercute, sobretudo em sua produção operística. No ambiente das fraternidades leigas que começaram a surgir nesse período se consolidam as práticas de composição de textos religiosos em língua vulgar, de autoria de clérigos ou leigos, destinados à execução musical. Os “músicos de Deus” são, agora, todos os homens e mulheres que, na condição de solistas ou coristas, expressam por meio de suas vozes e de todo o seu corpo, a crença na salvação e, nomeadamente, a importância de Maria como mediadora. Certamente, nas manifestações ético-religiosas que Elomar interpõe nos mais diversos campos da sua produção musical, vários elementos foram apropriados das tradições da cristandade latina que, na Idade Média e início da Idade Moderna, abrangeram uma ampla diversidade de pensamento e de práticas. Mas o poeta-compositor, que já se definiu como luterano e fundamentalista, atua de forma absolutamente autônoma em relação às formas e aos temas ofertados pelo cristianismo medieval e exclui peremptoriamente as expressões do marianismo. Por outro lado, em sua formação e em suas escolhas intelectuais, as tradições veterotestamentárias têm importância capital. No canto nomeado Corban, desde o título está evidente a presença de imagens e símbolos judaicos, atualizados pela associação com elementos do cristianismo, como o evento da Paixão e a perspectiva de ressureição, e pela introdução de imagens próprias ao mundo do sertanejo, a quem o poeta concede o protagonismo da enunciação: São sete mil léguas Também no poema sinfônico Fantasia leiga para um rio seco, elementos da história judaica servem de base ao enredo épico, que tem como pano de fundo um cenário atemporal de tristeza e desolação. A narrativa, enunciada por um cantador, com o concurso de vozes em coro, alude ao tempo de José, filho de Jacó, mas, traduzida de forma brilhante na ilustração da capa, da pena de Juraci Dórea, remete às adversidades que afetam os viventes das terras do sertão. Executado pela Orquestra Sinfônica da Bahia, sob a regência de Lindembergue Cardoso, e na voz de Elomar, o canto Incelença pra terra que o sol matou, que abre o concerto, expõe, com perfeição, o cenário apocalíptico evocado pelo poeta: Levanto meus olhos pela terra seca Da Idade Média, o poeta apreende os elementos da cosmografia cristã, definidos a partir de uma lógica dualista. Os personagens orientados pela fé têm os olhos voltados para o céu, de onde esperam os sinais da vinda de Cristo, enquanto os maus, acorrentados nas trevas da ignorância, são incapazes de “vencer as tentações rasteiras do instinto animal” e veem-se fadados a padecer no espaço-tempo da vida terrenal. O olhar atento sobre passado, presente e futuro orienta as reflexões, enunciadas em primeira pessoa, sobre os desmazelos e as alegrias fugazes que, cotidianamente ou por força de eventos sazonais e inesperados, mobilizam sentimentos e ações dos homens e mulheres que habitam o sertão. A beleza do campo branco, ressentido da ausência de chuva, suscita o misto de tristeza e esperança. O poeta projeta em um futuro imediato a chegada da chuva e, com ela, toda a bonança de ver parindo as bezerras marrã e as árvores “butando fulô”. Campo Branco minhas penas que pena secou No canto elomariano, os sertanejos se alimentam de alegrias efêmeras compartilhadas com a natureza, mas, sobretudo, do sonho de superação das deficiências do tempo presente. No canto Peão na Amarração, sobeja o tom de realismo e denúncia que aproxima o poeta das expectativas de todos aqueles que alimentam o sonho de um tempo de igualdade e justiça social: Inconto a sulina amansa É a ceguêra de dexá Elomar nega qualquer conotação política ao conteúdo da sua música, mas isso jamais afastou a possibilidade de apropriação e valoração positiva da sua poesia pelos meios intelectuais, sobretudo associados à esquerda, desde a década de 1970. O que se vislumbra em Peão na amarração é, seguramente, uma utopia camponesa, individualista, passadista, inerte no enfrentamento coletivo dos problemas sociais, submetida aos desígnios divinos e alimentada pela esperança de dias melhores. Aqui, como em toda a obra elomariana, sobressai uma reflexão sobre a relação do homem – submetido às vicissitudes, aos sofrimentos e às alegrias da sua vida na terra – com o Deus Criador. Escatologia, utopia e salvacionismo são os elementos que, de forma combinada, orientam o pensamento e a produção musical de Elomar, traduzidos magistralmente na música Loa, peça integrante da sua Antiphonaria Sertani. Há um único registro fonográfico da música, no disco Elomar em Concerto, gravado em 1989, na sala Cecília Meireles, sob direção e regência de Jacques Morelenbaum: Alcemos nossas mãos aos altos céus As tradições judaicas, signos e símbolos do cristianismo medieval, assim como os fundamentos da reforma protestante, estão na base da formação de Elomar como leitor, compositor e poeta, e são tomadas como fontes para a sua abordagem sobre temas escatológicos, utópicos e salvacionistas. Vale ressaltar, entretanto, que esses temas encontram-se presentes, também, em diversos campos de produção da música brasileira contemporânea. Associados a outras fontes, a outros símbolos, imagens e conteúdos, eles traduzem o desejo premente de superação de um presente deficitário em favor de um mundo novo. Raul Seixas, que não pode ser suspeito de subordinação a qualquer perspectiva religiosa de explicação da realidade e de atuação no mundo, atualizou, na sua inquietude, o drama do fim iminente com o anúncio da vinda do trem das sete horas, pronto a carregar para outra dimensão os que sabem da sua existência. A despontar por trás de montanhas azuis, carreando as cinzas do velho éon, era aquele o último trem dos sertões, que prenunciava a vinda de Deus, entre sinais de trombetas, anjos e guardiões. O trem das sete viria a separar os que ficam dos que vão, os que choram dos que riem, mas, avesso à perspectiva dualista, haveria de juntar, em um romance astral, o bem e o mal. Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem
Traga di lá para mim
Água da fulô qui chêra
Um nuvelo e um carrin
Trais um pacote de misse
Meu amigo ah se tu visse
Aquele cego cantadô!
Um dia ele me disse
Jogano um mote de amô
Qui eu havéra de vivê
Pur esse mundo
E morrê ainda em flô.
Passa naquela barraca
Daquela mulé reizêra
Onde almuçamo paca
Panelada e frigidêra
Inté você disse vã lõa
Gabano a boia bôa
Qui das casas da cidade
Aquela era a primêra
Trais pra mim uãs brividade
Qui eu quero matá a sôdade
Fais tempo qui fui na fêra
Ai sôdade…
Apois sim vê se num isquece
Quinda nessa lua chêa
Nós vai brincá na quermesse
Lá no Riacho d’Arêa
Na casa daquêle home
Feiticêro e curadô
Qui o dia intêro é home
Fiiho de Nosso Sinhô
Mais dispois da mêa noite
É lubisome cumedô
Dos pagão qui as mãe isqueceu
Do batismo salvadô
E tem mais dois garrafão
Cum dois canguin responsado
Apois sim vê se num isquece
De trazê ruge e carmim
Ah se o dinheiro desse!
Eu queria um trancilin
E mais treis metro de chita
Qui é preu fazê um vistido
E ficá bem mais bunita
Qui Madô de Juca Dido
Qui Zefa de Iô Joaquim
Já qui tu vai lá prá fêra
Meu amigo trais
Essas coisinhas para mim…
Que muito longe daqui
Bem pra lá do São Francisco, ainda pra lá…
Em um castelo encantado,
Morava um triste rei
E uma linda princezinha,
Sempre a sonhar…
Ela sempre demorava
Na janela do castelo
Todo dia à tardinha, a sonhar…
Bem pra lá do seu castelo,
Muito além, ainda mais belo,
Havia um outro reinado,
De um outro rei.
Certo dia a princesinha,
Que vivia a sonhar
Saiu andando sozinha,
Ao luar…
E o castelo encantado
Foi ficando inda prá lá
Caminhando e caminhando,
Sem encontrar.
Contam que esta princezinha
Não parou de caminhar,
E o rei endoideceu
E na janela do castelo morreu,
Vendo coisas ao luar.
imendada de camin
prêsse mundão largo
sem portêra vem o fim
só vejo na terra a morte a rondá
peste mil enfermidades
fome e guerra ai de mim
Mil ventos da morte
estrôncios letais
sete vacas magras
tragam as gordas nos currais
pelos sete cravos
das chagas do Siô
lastimo meus erros
de grande pecadô
geme a terra ao rebentá das covas
branca e lira
mia noiva é a lua nova
ao sol peço clemença
qui esse chão quêma meus pé
Quatro cavaleiros
de olhares cruéis
prontos pra peleja
já cavalgam seus corcéis
De olhos para os céus
só ispero Cristo vim
eis qui chegam os maus
tempos do grande fim
Treme a terra pela última veiz
ais lamento
é vindo o Rei dos Reis
sol nunca seca meu pranto
qui é preu refrescá meus péis.
Só vejo a tristeza, que desolação
E uma ossada branca fulorando o chão
E o passo-rei, rei do manjar
deu bença à morte pra avisar
Pros urubus de outros lugá
Que vissem logo pro jantar
do rei do fogo e do luar
do luar sizudo do Ri Gavião.
Mas o sol malvado quemô os imbuzêro,
os bode e os carnero, toda a criação,
tudo o sol queimô.
É que estão as era já muito alcançada
A palavra veia reza que havera
De chegar um tempo só de perdedera
Que só havera de escapar
burro criolo e criação que pra cumê levanta as mão
e que um irmão pra o outro irmão saudava com essa pregação:
Lembra que a morte te espera meu irmão.
E o sol da má sorte rei da tribusana
Poupô sussarana, carcará, ladrão
Isso o sol poupô.
Mas não há de ser nada
Na função das bestas,
prurriba da festa pirigrina a fé
Sei que ainda resta cururu-tetê
Na minha casa hai um silenço
a tuia pura e o surrão penso
e o meu cachorro amigo menso
deitou no chão ficou em silênço
e nunca mais se alevantou
Inté os olhos d’água chorou que secou
E o sol dessas mágua queimou os imbuzero
Os bode e os carnêro toda a criação
Tudo o sol queimô
no Rio Gavião
Tudo o sol queimô
Toda a criação
Todo bem qui nóis tinha era a chuva era o amor
Num tem nada não nóis dois vai penano assim
Campo lindo ai qui tempo ruim
Tu sem chuva e a tristeza em mim
Peço a Deus, a meu Deus, grande Deus de Abraão
Prá arrancar as pena do meu coração
Dessa terra sêca en ança e aflição
Todo bem é de Deus qui vem
Quem tem bem lôva Deus seu bem
Quem não tem pede a Deus qui vem
Pela sombra do vale do Ri Gavião
Os rebanho esperam a trovoada chover
Num tem nada não, também no meu coração
Vô ter relampo e trovão
Minh’alma vai florescer
Quando a amada e esperada truvuada chegá
Iantes das quadra as marrã vão tê
Sei qui inda vô vê marrã parí sem querê
Amanhã no amanhecer
Tardã mais sei qui vô ter
Meu dia inda vai nascer
E essa tempo da vinda tá perto de vim
Sete casca aruêra cantaram prá mim
Tatarena vai rodá vai botá fulô
Marela de u’a veis só
Pra ela de u’a veis só.
Ricostado aqui no chão
Na sombra dos imbuzêro
Vomo entrano in descursão
É o tempo que os pé discança
E isfria os calo das mia mão
Vô poiano nessa trança
A vida in descursão
Na sombra dos imbuzêro
No canto de amarração.
Tomo falano da vida
Fela vida do pião
Inconto a sulina amansa
E isfria os calo da mão
U’a vontade é a qui me dá
tali cuma ũ’a tentação
dum dia arresolvê
de enfiá os pés pelas mão
Pocá arrocho pocá cia
Jogá as carga no chão
I rinchá nas ventania
Quebrada dos chapadão
Nunca mais vim num currrá
Nunca mais vê rancharia
Um dia de sê pião
Num dançá mais amarrado
Pru pescoço cum cordão
De num sê mais impregado
E tomém num sê patrão.
ũ’a vontade aqui me dá
Dum dia arresolvê
Jogá a carga no chão
Cumo a cigarra e a furmiga
Vô levano o meu vivê
Trabaiano pra barriga
E cantano inté morrê
Venceno a má fé e a intriga
Do Tinhoso as tentação
Cortando foias pra amiga
Parano ponta c’as mão
Cumo a cigarra e a furmiga
Cantano e gaiano o pão.
Vô cantano inconto posso
Apois sonhá num posso não
Nos tempo qui acenta o almoço
Eu sõin qui num sô mais pião
U’a vontade é qui me dá
Dum dia arresolvê
Quebrá a cerca da manga
E dexá de sê boi-manso
Dexá carro dexá canga
De trabaiá sem discanso
Me alevantá nos carrasco
Lá nos derradêro sertão
Vazá as ponta afiá os casco
Boi turuna e barbatão
É a ceguera de dexá
Um dia de sê pião
De nun comprá nem vendê
Robá isso tomém não
De nun sê mais impregado
E tomem num sê patrão
U’a vontade aqui me dá
Dum dia arresolvê
Boi turuna e barbatão
Toda veiz qui vô cantá
O canto de amarração
Me dá um pirtucho na guela
E um nó no coração
Mais a canga do pescoço
Deus ponhô pru modi Adão
Dessa Lei nunca me isqueço
Cum suó cumê o pão
Mermo Jesus cuano moço
Na terra tomem foi pião.
E toda veiz qui eu fô cantá
Pra mim livrá da tentação
Pr’essa cocêra cabá
Nun canto mais marração
Cantemos loas para o Nosso Deus
Eis que este mundo chega ao final
Morrendo o sol
Por todos os cantos
Todos lugares
Dos patamares
Superiores
Até à vasa
Dos frios brejos
Dentre os andejos
Os peregrinos
Até aos meninos
Dos grão-senhores
Na branca abóboda
De débeis flores
Que os imbuzeiros
Urdem ao léu
Em teus rastros pelo mundo
Os quatro cantos vasculhei
Dos altos montes
Aos fundos vales
Da líria Estela
À flor dos campos
Na tarde bela
Dos pirilampos
Em noite escura
Vi no relampo
Tua formosura
Do coração
De uma nave imensa
Na nuvem densa
Vi o resplendor
Vi com meus olhos
Cheios de crença
Meu grande espólio
Val de esperança
Eu vi a Glória
Do meu Senhor
Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon
Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem
Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem
Quem vai chorar?
Quem vai sorrir?
Quem vai ficar?
Quem vai partir?
Pois o trem está chegando, tá chegando na estação
É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão
Ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar
Vê, é o sinal, é o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões
Ói, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil megatons
Ói, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral
Amém
por Rita Pereira
Rubens Jesus Sampaio
Excelente e esclarecedor
Luiz Otávio de Magalhães
Obrigada, Rubens. Seu olhar sempre atento e generoso nos anima a continuar escrevendo. Grande abraço. Rita
Célia Tanajura Machado
Durmo esta noite mais leve, embalada pela riqueza deste texto e de toda a arte e história que ele nos apresenta.
Obrigada, Ritinha, pelo prazer de ouvi-la daqui.
Grande abraço,
Célia
Luiz Otávio de Magalhães
Saudades, Celinha. Saudades de te ver e tomar um dedo de prosa. Obrigada a você pelo carinho. Rita
Marcos Ferreira
Rita, que maravilha ler seu texto. Muita lucidez e arte!!!👏
Interessante que, mesmo o autor negando posicionamento político em sua obra, pode o leitor/pesquisador desvendar os não ditos de cada obra.
Obrigado, Rita!!!
Luiz Otávio de Magalhães
Que bom, Marcos, que você gostou. Sim. Como leitores e ouvintes, nos apropriamos das obras alheias e atribuímos a elas significados a partir de nossos próprios repertórios de temas e de nossas histórias de vida. Precisamos conversar mais sobre essas coisas todas… Obrigada. Rita
Inacio de Freitas
simplesmente fantástica a obra de Elomar. Cantos, historias e poesias!