Em uma de suas admiráveis e intrincadas composições, Caetano Veloso zombou de quem “não é recôncavo e nem pode ser reconvexo”. Recôncavos seriam os que apreendem o mundo, ou a Bahia, a partir de dentro, a partir de referenciais construídos pela experiência da aldeia (no sentido de Tolstoi: “canta a tua aldeia e serás universal”), como a de presenciar o “Olodum balançando o Pelô”, a “novena de Dona Canô” e a “elegância sutil de Bobô”. Reconvexo indicaria os indivíduos que apreendem uma dada realidade a partir de referenciais externos a ela, mas igualmente importantes para a construção da estrutura cognitiva; são os que embora nunca tenham requebrado ao som do Olodum, se munem de referenciais perceptivos derivados do conhecimento do “suingue de Henri Salvador”, da “risada de Andy Warhol” ou do “mendigo Joãozinho Beija-Flor”, para captar tanto a aldeia como o universal. Assim, os que não são “recôncavo” e nem “reconvexo” transitam pelo mundo como meros turistas deslumbrados ou como passageiros que não conseguem antecipar ou compreender os caminhos pelos quais os guias os conduzem.

Este blog é desenvolvido sob a responsabilidade de um paulista que há 32 anos se tornou baiano, radicado em Vitória da Conquista, e professor de História em uma universidade pública. Um professor que tenta, desajeitadamente, explorando indícios recolhidos de crônicas, de produções literárias e letras de canções, se passar por recôncavo ao mesmo tempo em que pretende não deixar de ser reconvexo.

Nestes hesitantes caminhos de busca de identificação de códigos culturais, de permanências e rupturas nos modos de se afirmar, na Bahia, o “um” e os “outros”, o autor também procurou se inserir nos temas e debates da vida política e social de seu município, de seu estado e de seu país. E, no momento em que este blog é criado, este autor se autodefine, lamentavelmente, como “antifascista”.

“Lamentavelmente”, porque ser “antifascista” deveria ser algo óbvio, praticamente uma obrigação a todo indivíduo que se pretenda minimamente democrata e civilizado. Porém, em tempos em que diversas estruturas do Estado são ocupadas por pessoas que não se acanham em zombar de direitos humanos e sociais, em aniquilar as proteções aos trabalhadores, relativizar o direito à vida e à dignidade de negros, indígenas, mulheres, homossexuais, favelados e moradores de rua, é preciso dizer-se antifascista.

O autor alimenta a esperança de que este blog sobreviva por tempo suficiente para que esta sua autodefinição se torne, por óbvia, dispensável.

Este blog não existiria sem a colaboração da Profa. Rita Pereira e do licenciando em música Guilherme Pereira, pessoas mais habilitadas do que o autor para explorar as belezas sutis dos discursos literários e musicais que benevolentes leitores venham a identificar nas crônicas aqui apresentadas.

Vitória da Conquista, 27 de julho de 2020

Luiz Otávio de Magalhães